domingo, 23 de agosto de 2009

dj Zé Gonzales " Um brasileiro em terras estrangeiras "


DJ e produtor, Zegon (Zé Gonzales), a outra metade do projeto N.A.S.A, está na cena musical desde 1986 e presenciou o desenvolvimento do Hip-Hop no Brasil. Demonstrando um profundo conhecimento da história do Rap através da evolução tecnológica, Zegon falou ao Central Hip-Hop sobre sua participação em diversos empreendimentos artísticos, abordou o cenário brasileiro e a falta de um mercado fonográfico nacional para o Rap, e revelou detalhes da sua experiência nos EUA.



Aos 17/18 anos, você e seu grupo DJ Chita foram uns dos primeiros a utilizar sampler e groovebox, entre outros equipamentos considerados modernos na época. Fale um pouco sobre o início da sua carreira e
seu envolvimento com a música. Quando descobriu
que seria DJ? Sua experiência fora do país, em sua
juventude, contribuiu para a sua formação musical?

Zegon: Em 1986/87, conhecemos o Thaide, na antiga DJ Shopping, numa galeria na avenida Paulista. Nós andávamos (os integrantes do DJ Chita) de skate também. Na época, um amigo emprestou uma Roland 909 e, com ela, uma Technics 1800 e um sampler Casio começamos o DJ Chita. O Thaide nos levou na casa do Andre Jung, do grupo Ira!, onde eles estavam pré-produzindo o primeiro disco da dupla Thaide e DJ Hum. Quando eu vi o Humberto riscando, na verdade, fazendo aquele clássico “transformer” com "Got to be Real" (Cherry Lynn), meu queixo caiu, falei é isso que eu quero. Nesse período, tive chance de viajar pra fora, devido aos meus patrocínios com o skate, e tive bom acesso a novos sons e equipamento. Na época, sem internet, a informação era de pessoa a pessoa, revistas e vídeos, mas demorava muito mais pra chegar, acho que ter tido esse acesso contribuiu para estarmos na vanguarda, mas eu era muito louco e muito novo, as noitadas e o skate não me deixavam ir muito além nos trabalhos com música.

Os sons do DJ Chita continuam atuais?

Zegon:
Nossa! Fazia tempo que ninguém citava o DJ Chita, os sons do DJ Chita sempre foram esquisitos, desde quando gravamos, até hoje em dia, nossas influências eram colagens (cut-n-paste), tipo Cold Cut , Bomb The Bass, Steinsky, as nossos músicas não seriam tão atuais hoje em dia. É interessante lembrar o processo de finalização da época, era todo por fita, analógico mesmo, batia legal, mas não tanto quanto agora. Preciso resgatar essas fitas, elas estão bem guardadas.

Quando se deu a transição do DJ que animava as pistas para o DJ de show, com o Planet Hemp e com Marcelo D2?

Zegon: Logo alguns meses depois de conhecer o Thaide e DJ Hum e uma boa galera da primeira geração do Hip-Hop em São Paulo, como o Crânio (R.I.P.), o Blow (também R.I.P.) , o Ninja, MC Jack , o UZi e Who, Fabio Macari, a gente acabou caindo na noite underground em SP, mais precisamente no Cais. Conhecemos o Arthur Veríssimo, que hoje é um jornalista de grande destaque, foi como um padrinho na noite, ele foi um dos primeiros a tocar sons do Public Enemy e Schoolly D. Começamos a tocar em campeonatos de skate e nos clubes, num desses campeonatos, conheci um magrinho franzino, que me perguntava de música em música o que eu estava tocando, esse mesmo cara apareceu alguns anos depois, em 94, com o Planet Hemp, e veio a se tornar o Marcelo D2. Nesse meio tempo tive grupos como o 3P, toquei com o De Falla e discotequei bastente pelo Brasil. Quando o disco “Usuário” saiu, o D2 me convidou para fazer os shows de lançamento, acabei ficando de vez na banda, entre 95 e 2002.

Nesse período você já fazia produções? Quais suas influencias?

Zegon:
Minhas primeiras produções foram no final dos anos 80, com meu irmao Guilherme e meu parceiro Andre "Chita", usando um Casio FZ-1 (Sampler), um sequencer e a Roland 909, depois passei um bom tempo só nos toca-discos mesmo, somente em 1996, na época do disco "Os Cães Ladram Mais a Caravana Não Para", do Planet Hemp, onde trabalhamos com o Mário Caldatto, eu vi as primeiras MPCs. Minhas primeiras influências foram a do próprio Caldatto, na parte de caçar bons samples, e ideias, discos raros, do DJ Nuts, que sempre foi como um irmão mais novo e mostrou muita técnica, e dos clássicos Premier, Large Professor, Dust Brothers e, depois, o Jay Dee.

O que é ser um DJ brasileiro em terras estrangeiras? Nos conte um pouco da sua experiência pessoal e artística fora do Brasil.

Zegon:
Bom, quando mudei para os EUA, procurei me diferenciar tocando meus beats, lancei um disco de breaks com uma gravadora independente de Battle Breaks (Extensive Reserch) para me diferenciar, tendo um trabalho autoral. Minhas produções se baseiam em samples brasileiros, mas não tem aquela cara "explicita" de sample brasileiro, tipo Hip-Hop com Samba ou com Bossa Nova, que é fácil de se identificar, não sinto necessidade disso, de ter aquela cara de exportação, tipo o Drum´n´Bass nacional, tipo o som do D2, ao mesmo tempo, para pagar minhas contas toquei em noites de Hip-Hop em clubes com clássicos, old school, comercial, de tudo um pouco, e muita gente nem sabia que eu era brasileiro. Até eu conseguir uma residência semanal aos sábados, no Star Shoes, onde as sextas eram as noites da Stones Throw. Ali consegui me firmar e virou uma noite conceitual, onde a gente tocava de tudo, Breaks, Electro, Miami Bass, Funk, Soul, Rock, 80´s, 90´s, tudo mesmo. O Cut Chemist, que eu já conhecia desde o Red Bull em SP, começou a tocar comigo num sábado, por mês, o Mad Lib, também o J-Rocc. Essa noite durou quase 2 anos, nesse meio tempo, eu já estava trabalhando no disco do N.A.S.A, fiz uma Tour com a Stones Throw no Japão e em festivais pelos EUA

Você teria êxito nos âmbitos finaceiro e artístico se ficasse restrito numa atuação somente em nosso país?

Zegon:
Com certeza não, mais tomei um passo de bastante coragem quando, em 2003, decidi mudar para L.A. (Los Angeles) e começar do zero, bem apadrinhado, por conhecer gente que com estabilidade artística mas, em qualquer cidade que você chega, não é nada fácil. A indústria da música no Brasil está falida, ninguém vende disco, praticamente ninguém ganha dinheiro com isso. As gravadoras pagam muito pouco para o produtor e não querem gastar nada gravando. Eu pulei fora um pouco antes disso tudo acontecer, já tinha gravado com quase todo mundo que eu admirava, trabalhado com Racionais MCs, Sabotage, MV Bill, Sepultura, Gilberto Gil e Nação Zumbi. Sentindo essa crise no mercado fonográfico, achei que tinha que tentar algo de novo, me joguei. Foi a melhor que eu fiz, comecei a trabalhar com trilhas sonoras, jingles , comercias.


Nos fale sobre o projeto N.A.S.A e sua repercussão mundial.

Zegon:
O N.A.S.A começou de maneira informal, sem pretensões. Apenas 2 amigos fazendo beats, 2 MPCs e vários cases de discos velhos. O Fat Lip (The Pharcydes) estava numa fase difícil de sua vida e morando no estúdio do Sam (Squeak & Clean), ele gravou algumas faixas com a gente e acabou assinando com a Delicious Vinyl, se levantando novamente. Nessa época, fomos ao Rock The Bells Festival, onde o Wu-Tang se apresentou com formação completa e conhecemos o Ol´Dirty, demos um CD para ele com alguns beats e, incrivelmente, algumas semanas depois ele aceitou participar, numa faixa com o Fat Lip, gravamos com ele na semana seguinte e 2 semanas depois ele veio a falecer. Praticamente, essa foi a primeira faixa que gravamos no disco, e também o som que deu a ideia e o conceito, nessa mesma faixa, gravamos com a Karen O. (do grupo de rock Yeah Yeah Yeahs), aí achamos o conceito - misturar pessoas de mundos diferentes, unir através da musica. Isso foi por volta de novembro de 2003. Foram quase 6 anos de correria, altos e baixos, o disco ficou pronto 2008.O disco repercutiu muito bem, está crescendo ainda mais, além de termos feito algo praticamente inédito com cerca de 40 participações, a mistura e as combinações foram mais inusitadas, é um disco baseado apenas em fazer boa música, sem seguir modismo, como o Rap comercial atual ou a música eletrônica.



David Byrne é um ícone do pós-punk e do experimentalismo, tanto em sua carreira solo, como nos seus selos e na sua performance com o Talking Heads. O Hip-Hop brasileiro sabe qual a importância de uma parceira como essa, entre outras do CD do NASA?

Zegon:
Infelizmente, o Hip-Hop brasileiro, na sua grande maioria, desconhece as raízes, não conhece o Old School e se guia por modismos. São as fases - a fase Gangsta, a fase Bate-Cabeça, a fase underground - cada epóca uma coisa. O público não é muito atento para a musica em geral. É muito normal se tocar Talking Heads numa festa de Hip-Hop, em qualquer lugar do mundo, "Once in a Life Time" é um clássico. Eu só acredito em 2 estilos de música: boa música ou música ruim. Minha mentalidade é essa, acho que devemos tocar o que gostamos, independentemente de rótulos, ou estilos, claro que mixando com uma coerência, construindo um set. O que me incomoda muito nas festas é que o povo sai de casa e quer continuar ouvindo o que estava ouvindo em casa, no carro, nem presta atenção na dedicação do DJ e nos anos de pesquisa que ele fez e faz. Essa cabeça fechada me incomoda. Digo isso para a grande maioria, mas claro existem muitas exceções, acho que o publico tem que abrir a mente e aprender a apreciar o novo, ou o velho que foi esquecido, aprender e conhecer de onde o Hip-Hop veio e quem está nessa missão são os DJs.


Vocês estão em turnê? Como são os shows?

Zegon:
Estamos em tour desde que o disco saiu, no final de fevereiro, já demos algumas "voltas ao mundo" nesse tempo, fizemos EUA( de ponta a ponta), Canadá, México, Japão (2 vezes), Austrália, China, Europa (2 tours) e por aí vai. Os shows do NASA tem vários formatos, desde o show completo com participações especias de MCs , já participaram Fat Lip, Kanye West, Kid Cudi, Ras Congo, Spankrock, Kool Keith. Tocamos com Serato Vídeo, controlando os vídeos pelos toca-discos , também temos o que chamamos de nosso "Intergalatic Crew", que são seres de outras galáxias, como marcianas, monstros que fazem com que o show se torne uma performance teatral, bem divertida, uma grande festa. Também fazemos o set básico: 4 toca-discos, samplers, efeitos e set audiovisual


A sonoridade dos anos 1990 é tida como clássica e criativa. Como você analisa os sons dos anos 1980 e a época atual? Os artistas do Hip- Hop e a música eletrônica têm uma postura saudosista em relação à Golden Era?

Zegon:
O som dos anos 80 foram a raiz para o Hip-Hop da Golden Era. No começo, tudo era mais tocado e feito com teclados, os loops eram feitos com fita, quando surgiram os primeiros samplers, eles tinham poucos segundos (pouca memória), por isso os sons eram picotados, mais elementos com stabs (ataques) e horns, predominavam. Para se fazer um loop, se sampleava em vários pedaços e "emendava". Depois, no final dos 80, os samplers ficaram maiores (com mais memória), tipo na época do "It Takes a Nation", do Public Enemy. Nesse tempo, surgiram as primeiras "mega produções" e o arranjo mais complexo, isso veio junto com a nova geração de samplers da Akai (S900, S1000) e, posteriormente, as MPCs (60 e 3000), os samplers Emu (SP1200) e o Ensonic (Asr-10). Essas ferramentas mudaram a cara do Hip-Hop. Uma comparação que faço dos 80 com a atual é que ambas as fases são mais freestylers e descontraidas do que os anos 90. A arte dos anos 1990 era mais séria e purista. Antes Afrika Bambaataa gravava com John Lydon (Sex Pistols ) e UB 40, Run DMC com Aerosmith, Beastie Boys com Slayer, e por aí vai. Atualmente, creio que está surgindo uma cena nova, ligada nas fusões com a musica eletrônica e outros estilos.


Quais os artistas brasileiros e estrangeiros que você destaca no cenário atual?

Zegon:
Destaco no Brasil: Kamau, que já vem de tempos fazendo um trabalho sólido, Parteum , Akira e Emicida como MCs, bandas como Hurtmold, Gizado, Turbo Trio, Curumim e o DJ Nuts. No eletrônico aponto o Mix Hell, Killer on the Dancefloor e Ali Disco B, além do Cool Kids, Hollywood Holt, Santgold, Kid Cudi, Amanda Blanks, Diplo, Major Lazer, Soulwaxx, DJ Am, DJ Z-Trip, A-trak e Herve.



O Rap brasileiro já tem uma cara? Além da língua portuguesa, o que é parte do DNA do nosso Rap?

Zegon:
O Rap Brasileiro tem algumas caras. Sempre existiu muito artista original desde o início, como o Racionais sampleando Tim Maia e mandando suas letras gigantescas contando o cotidianos como um filme com muita originalidade. Existem grupos originais influenciados pelos Racionais, ao mesmo tempo existe muita gente que copia e quer ser igual. Acho que a cena Gangsta ditou regra por muito tempo no Rap brasileiro e ela é a realidade da periferia mas, ao mesmo tempo, vem surgindo gente nova, que não está presa aos padrões e regras, trabalhando com vontade.


Vocês utilizam todos os novos meios tecnológicos na divulgação e produção das suas músicas. Até que ponto o acesso à tecnologia pode deteriorar a arte? Seja qual for o estilo ou escola...

Zegon:
Hoje em dia está tudo muito fácil. Praticamente todos tem acesso aos computadores e Internet. Surgiram muitos softwares fáceis de usar para produzir, qualquer um pode fazer música em casa, e muita coisa boa aparece, muita coisa ruim também. Acho isso ótimo, pois estimula a competição (no bom sentido), ninguém se impressiona com coisa pouca. Por outro lado, acho que muita gente que começa a fazer beats em casa, já acha que é produtor. Existe uma grande diferença entre um beatmaker e um produtor. Há uma longa distância entre esses dois trabalhos. Produzir vai além de fazer uma batida em casa, de cortar um sample, envolve, engenharia, timbrar, técnicas de gravação e um lado de saber dirigir o artista a chegar onde o produtor quer, chega a ser um trabalho "psicológico". Quanto aos DJs, o Serato ajudou muito. Todo mundo tem "tudo", muita gente começou por Serato baixando milhares e milhares de músicas sem nexo e sem saber a história disso tudo, o que acabou formando uma geração de DJs clones, sem formação e sem raiz. Aprofundando o tema, acho que o mais importante disso tudo é a velocidade que as coisas possume hoje em dia. Quem quiser fazer algo e se destacar precisa mais do que nunca ser original. Hoje em dia é bem mais difícil vender gato por lebre, o público é bem mais informado e bem mais exigente.


Fonte: http://centralhiphop.uol.com.br/



Um comentário:

  1. Matéria legal!! Ainda não conheço muito do N.A.S.A., mas vou procurar conhecer. Zegon é foda!

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